terça-feira, 12 de maio de 2009

Não é a crise que nos destrói. É o dinheiro - Por Mário Crespo

Nesta fase
Nada no mundo me faria revelar o nome de quem relatou este episódio. É oportuno divulgá-lo agora porque o parlamento abriu as comportas do dinheiro vivo para o financiamento dos partidos. O que vou descrever foi-me contado na primeira pessoa. Passou-se na década de oitenta. Estando a haver grande dificuldade na aprovação de um projecto, foi sugerido a uma empresária que um donativo partidário resolveria a situação. O que a surpreendeu foi a frontalidade da proposta e o montante pedido. Ela tinha tentado mover influências entre os seus conhecimentos para desbloquear uma tramitação emperrada num labirinto burocrático e foi-lhe dito sem rodeios que se desse um donativo de cem mil Contos "ao partido" o projecto seria aprovado. O proponente desta troca de favores tinha enorme influência na vida nacional. Seguiu-se uma fase de regateio que durou alguns dias. Sem avançar nenhuma contraproposta, a empresária disse que por esse dinheiro o projecto deixaria de ser rentável e ela seria forçada a desistir. Aí o montante exigido começou a baixar muito rapidamente. Chegou aos quinze mil Contos, com uma irritada referência de que era "pegar ou largar". Para apressar as coisas e numa manifestação de poder, nas últimas fases da negociação o político facilitador surpreendeu novamente a empresária trazendo consigo aos encontros um colega de partido, pessoa muito conhecida e bem colocada no aparelho do Estado. Este segundo elemento mostrou estar a par de tudo. Acertado o preço foram dadas à empresária instruções muito específicas. O donativo para o partido seria feito em dinheiro vivo com os quinze mil Contos em notas de mil Escudos divididos em três lotes de cinco mil. Tudo numa pasta. A entrega foi feita dentro do carro da empresária. Um dos políticos estava sentado no banco do passageiro, o outro no banco de trás. O da frente recebeu a pasta, abriu-a, tirou um dos maços de cinco mil Contos e passou-a para trás dizendo que cinco mil seriam para cada um deles e cinco mil seriam entregues ao partido. O projecto foi aprovado nessa semana. Cumpria-se a velha tradição de extorsão que se tornou norma em Portugal e que nesses idos de oitenta abrangia todo o aparelho de Estado.
Rui Mateus no seu livro, Memórias de um PS desconhecido (D. Quixote 1996), descreve extensivamente os mecanismos de financiamento partidário, incluindo o uso de contas em off shore (por exemplo na Compagnie Financière Espírito Santo da Suíça - pags. 276, 277) para onde eram remetidas avultadas entregas em dinheiro vivo. Estamos portanto face a uma cultura de impunidade que se entranhou na nossa vida pública e que o aparelho político não está interessado em extirpar. Pelo contrario. Sub-repticiamente, no meio do Freeport e do BPN, sem debate parlamentar, através de um mero entendimento à porta fechada entre representantes de todos os partidos, o país político deu cobertura legal a estes dinheiros vivos elevados a quantitativos sem precedentes. Face ao clamor público e à coragem do voto contra de António José Seguro do PS, o bloco central de interesses afirma-se agora disposto a rever a legislação que aprovou. É tarde. Com esta lei do financiamento partidário, o parlamento, todo, leiloou o que restava de ética num convite aberto à troca de favores por dinheiro. Em fase pré eleitoral e com falta de dinheiro, o parlamento decidiu pura e simplesmente privatizar a democracia.

In JN


Vi agora que me enganei no blog. Era para por isto no meu. Também fica aqui. Até tem a ver com o anterior...

9 comentários:

  1. Concordo...!E de que maneira!!!

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  2. Não devem estar todos enganados. Corrupção na política e na vida partidária? Isto é os Estados Unidos ou quê? Isto não é uma república das bananas, estamos num país civilizado e altamente desenvolvido, os portugueses é que ainda não o sabem. É um projecto muito secreto, para ser já divulgado. Só por este aspecto é que se pode ver quanto desenvolvido nós somos.

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  3. E a cena que aprovaram hoje em relação aos lucros (sim, lucros!) que as campanhas eleitorais agora podem dar?! Antes revertiam para o Estado. Agora revertem para... Vamos lá, é a pergunta do milhão de euros... Exacto, para os partidos! E friso partidos pois (mais uma grande à portuguesa) os movimentos de cidadãos ou de independentes, por exemplo, candidatos a PR não têm direito aos possíveis lucros! Fantástico, Melga(ço)!

    Melhor ainda: do que pude perceber da notícia e, quem me conhece há mais tempo sabe, até posso ter percebido tudo mal, isto foi aprovado pelos senhores (e senhoras também) que estão sentados lá no Parlamento!

    Vou dormir e sonhar com um país de paraíso. Mas sem unicórnios-Sócrates desta vez. Não quero acordar de olheiras e com o colchão mijado.

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  4. Rui, espero que tenhas acordado com boa cara e sequinho! Apesar de poucas coisas me conseguirem tirar o sono (tenho um sistema de botões para desligar alguns assuntos...) não deixam de me preocupar! Por cá temos o que se poderia chamar corrupção legal… efectivamente aprovada pelos políticos e afins… e o pior é quando pactuamos com ela, ou por conforto, ou porque dela beneficiamos…

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  5. Este blogue fica sempre "assombrado" durante o fim de semana... nem fantasmas, nem vampiros...
    Ou então quase ninguém vai à net fora da hora de expediente! ;)

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  6. As horas extraordinárias têm que ser pagas!!!!

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  7. É verdade, tinha esqueci...Lollll :P
    Mas isso é só para alguns... para quem não tem hora para chegar a casa e trab aos fins de semana e feriados... Enfim! Nada é contado com H.E.!

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  8. O Livro "Contos Proibídos - Memórias de um PS desconhecido", de que se fala neste artigo, está disponível para download na net. Basta pesquisar pelo nome no Google. Recomendo a sua leitura a todos.

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