terça-feira, 12 de dezembro de 2006

Natal antigo

A queima do madeiro

É comum nas pequenas aldeias possuírem tradições nesta época, e Valverde não é excepção.Uma das tradições desta época é a queima do madeiro. Manda a tradição que os jovens mancebos solteiros se juntem e 'roubem' uma árvore, de preferência já velha e sem utilidade, para não dar prejuízo ao proprietário. Essa árvore deve ter bastante madeira, já que a queima é para durar. É então é levado para o adro da igreja, e ali no meio se faz um grande monte de lenha, que se põe a arder na noite de Natal. O objectivo é que o madeiro (assim se chama) arda durante toda a semana que separa o Natal do Ano Novo, sem que se apague.Durante este tempo juntam-se as famílias e os amigos, e lá vão espreitar o madeiro, aquecer-se nas brasas que deita, e até assar um chouriço, que sabe sempre tão bem!
















Madeiro de NATAL 1999

Com madeiro, muito maior do que hoje se arranja para manter a tradição, e sem as prendas que actualmente também lá fazem a alegria das crianças, o Natal nesta aldeia da Beira, nos anos 50, era a festa do Menino Jesus e das filhoses. O Deus Menino motivava um sem número de histórias contadas à volta do lume, a lareira onde todos se aqueciam e se cozinhava em bojudas panelas de ferro com três pés e negras como o alcatrão. Quanto às filhoses, feitas com farinha, água e azeite, eram fritas em enormes quantidades e constituíam o alimento principal durante mais de duas semanas. Era difícil haver uma casa onde não se fizessem filhoses e os que tinham menos sempre iam recebendo-as de oferta dos mais abastados.

“Filhoses com vinho não fazem mal”

O primeiro sinal de Natal era dado pelos rapazes com idade de irem à inspecção para o serviço militar. Cabia-lhes arranjar o madeiro, três ou quatro árvores com que na noite da Consoada se fazia uma enorme fogueira à porta da igreja para aquecer o Menino Jesus e animar a rapaziada. Enquanto batiam com uns maços compridos na lenha a arder, gritando “madeiro, madeirinho” e faziam saltar milhares de faúlhas luminosas, as cantigas improvisadas iam muitas vezes parar ao refrão “Natal, Natal, filhoses com vinho não fazem mal”.
Ultrapassadas as questiúnculas provocadas pelo tradicional roubo das árvores para o madeiro que sempre irritavam os proprietários ‘roubados’, sobretudo se a apanha da azeitona ou trabalho no lagar corria menos bem, os rapazes faziam o aquecimento para a festa percorrendo as casas dos parentes mais ou menos próximos para juntar umas filhoses acabadas de fritar e beber copitos de vinho em série que só não os embebedavam irremediavelmente, porque o frio gélido, com ameaços constantes de neve, ‘queimava’ muito álcool.
Dentro de casa, os rituais eram quase sagrados. Fritar as filhoses era assunto para os mais velhos. A avó e o avô, sempre vestidos de preto, punham-se cada um de seu lado do caldeiro de azeite a ferver como se fossem Maria e José à volta do berço de palhinhas do Menino Jesus. A matriarca esticava a massa e deitava-a no azeite; o patriarca virava as filhoses com um pau em forca com dois bicos, bem trabalhados à navalha. As primeiras filhoses fritas eram comidas ainda quentes, depois de polvilhadas com açúcar amarelo. Provavam-nas alguns adultos e sobretudo as crianças que tinham como única mas muito apreciada prenda de Natal uns rudimentares bonecos fritos, feitos com a massa das filhoses.

Suspeitas com bacalhau amolecido

O grande assunto mobilizador da família era a compra do bacalhau para comer com batatas e couve-galega na noite da consoada. E naturalmente do que mais se falava era do preço. Seria a cinco mil réis (cinco escudos) o quilo? Cinquenta e tal anos depois é muito difícil confirmar oralmente o preço, mas há peripécias que ficaram. Primeiro, o facto do bacalhau ficar mais barato se o fossem comprar à vila. Aqui os problemas era a distância mais de 2 km, a dificuldade das pessoas se resolverem a deslocar na camioneta da carreira, em vez de persistirem ir a cavalo ou de macho, e os dias serem muito curtos para quem se deslocava tão devagar. A compra do ‘fiel amigo’ numa das três lojas da vila dava, por sua vez, para um rol de suspeições.
Todos os anos o senhor da loja dizia que era a humidade da loja que amolecia o bacalhau, mas na altura de o pôr na panela havia sempre alguém a lembrar que ele o molhava para ficar mais pesado. Enfim, coisa sem importância quando se tratava de comê-lo na ceia da Consoada, muito bem regado de azeite fresco chegado do lagar.

“Ó meu menino tão belo”

O Dia de Natal reconhecia-se também por se ir à missa, apesar de geralmente não ser domingo. Depois da noite a ver o madeiro a queimar e a soltar todas aquelas chispas luminosas, o grande acontecimento era beijar o Menino Jesus exposto entre as palhinhas num grande presépio feito na zona do altar-mor com muito musgo e pequenos arbustos colhidos no campo. Por causa do presépio, as crianças tinham nesse dia direito a estar mais próximo do altar, o que era habitualmente privilégio dos homens. E pertencia ainda aos mais pequenos serem os primeiros a beijar o Menino Jesus, enquanto as mulheres do coro cantavam estrofes alusivas como “Ó meu Menino Jesus, ó meu menino tão belo, que logo viestes nascer na noite do caramelo”. E o frio às vezes era mesmo de rachar e fazia gelar as poças de água e até as lamas dos caminhos.
O almoço de Natal também tinha comida de festa. Havia carne, geralmente de borrego, se tratava de pessoas com rebanho. Peru é que não existia e quanto às galinhas eram mais para dar ovos e só se matavam quando alguém ficava doente e precisava de uma canja. Além de muitas filhoses e umas boas fatias de queijo ainda feito de fresco, a refeição acabava com o arroz doce. Quem cozinhava, aprimorava-se. Não se poupava nos ovos para dar cor às grandes travessas e por todo o lado se escrevia ‘Bom Natal’ nos enfeites com pó de canela. O máximo para os gulosos era comer arroz doce com filhoses polvilhadas com açúcar. E como sempre a festa, media-se pelo doce.

3 comentários:

  1. eu sei que cada vez que escrevo faço textos muitos compridos, mas olha, o que ja esta, ja esta....
    lol lol......

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  2. Òptimo relato histórico dos Natais passados, que já eram bastante coloridos... Mesmo sem a Leopoldina!

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  3. Deixa lá...nós vamos lendo aos poquitos...No problem

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